sábado, 31 de maio de 2008

O Mito do Querubim Ungido


Rev. Paulo Cesar Lima, ThD.

Coloquei-te com um querubim protendido para habitaste no monte santo divino, circulavas entre as pedras coruscantes” (v.14)[1].
“... nos teus múltiplos negócios; [a iniqüidade encheste as tuas arcas com violências e pecaste]. Expulsei-te do monte divino, e o querubim protetor te tirou do meio das pedras coruscantes” (v.16).
NVBB (Nova Versão Brasileira da Bíblia): «Com um querubim protetor eu te havia colocado» (v. 14).
BLH (Bíblia na Linguagem de Hoje): «Eu fiz de você um anjo protetor, com as asas abertas» (v. 14).
ARA (Almeida Revista Atualizada): «Tu eras querubim da guarda ungido, e te estabeleci» (v. 14).
ARC (Almeida Revista Corrigida): «Tu eras querubim ungido para proteger, e te estabeleci» (v. 14).
JERUSALÉM: «Fiz de ti o querubim protetor de asas abertas» (v. 14).
MATOS SOARES: «Coloquei-te com um querubim protendido» (posto em riste – posição erguida – v. 14).
SEPTUAGINTA:
Wast with the cherub «com o querube... te estabeleci» (v. 14).

Antes de dizer qualquer coisa sobre o tema em tela, quero ressaltar que a existência de satanás (gr. diabo), na Bíblia, é fato incontestável. Não cremos em satanás, mas acreditamos que a sua existência tentadora é real; ele é o arquiinimigo do ser humano.

O meu objetivo com este estudo é o de desfazer alguns equívocos bíblicos que até hoje vêm prevalecendo no meio cristão. Dentre esses, eu destaco:

. A idéia de Lúcifer
. O querubim “ungido”
. O “maestro do coral celestial”
. O jardim do Éden etc.

O que todo mundo começa a dizer repetidas vezes e de forma acrítica, conquanto sem fundamento, vira “senso comum”.[2]

O famigerado conceito da “Dupla Referência” ou do “Sensus Plenior” em Ezequiel é desmanchado a partir de uma acurada pesquisa histórica sobre o texto em tela. Não há, em nenhuma hipótese, alusão à fatídica figura de Shatãn como a patrística defendera. O texto refere-se ao príncipe de Tiro e a mais ninguém.

A IDÉIA DE LÚCIFER

A maioria dos intérpretes concorda que o termo “Lúcifer” deriva-se da astrologia babilônica. A “estrela da manhã” era uma das designações do rei da Babilônia; e, por detrás disso, havia o uso astrológico e a idéia comum, corrente entre os povos antigos, de que os reis da Babilônia eram instrumentos dos deuses, como seus representantes entre os homens. O rei da Babilônia, em sua pompa, colocava-se entre as divindades. Os babilônios e os assírios personificavam a estrela da manhã chamando-a de Belite e de Istar.

Uma antiga tradução latina, a Vulgata de Jerônimo, traduziu “estrela da manhã” por “Lúcifer”, que veio a se tornar um nome próprio que depois, também, foi aplicado ao diabo, grande inimigo da humanidade e do povo de Deus. No entanto, as expressões Helal (de onde foi tirado o nome Lúcifer) e Shahar são nomes de divindades pagãs.

Segundo Champlin, os antigos não sabiam que os planetas não são estrelas, e nem pensavam nesses planetas como entidades semelhantes ao globo terrestre. Antes, imaginavam que entidades divinas habitariam em tais lugares, ou que esses corpos celestes fossem as próprias divindades. Não faziam qualquer idéia sobre as dimensões dos corpos celestes.

Na mitologia dos cananeus, essa estrela, que, na verdade, é o planeta Vênus, era considerada um deus (um dos muitos que se reuniam num monte muito alto, que ficava no Norte, v. 13) que queria a posição de chefe dos deuses, mas era derrubado daquele posto. O profeta aplica ao rei da Babilônia (Ap 8.10; 9.1).

QUERUBIM UNGIDO

Pelo que o leitor leu no início desse arrazoado a expressão “querubim ungido” não se encontra nos originais (nem no hebraico e nem no grego da Septuaginta). Mais: a figura que o profeta pega para falar do orgulho, da vaidade, do pecado do príncipe de Tiro é a história de Adão e Eva, mas entremeada de mitos, lendas da cultura babilônica e fenícia.

Observe o texto: “Expulsei-te do monte divino, e o querubim protetor te tirou do meio das pedras coruscantes” (v.16). É uma alusão à expulsão de Adão do paraíso terrestre (Gn 3.23).

Um querubim semelhante aos que guardavam o paraíso terrestre (Gn 3.24). Também nas pedras coruscantes parece haver uma alusão à espada flamejante mencionada no Gênesis como arma dos querubins; mas pode ser também uma referência ao brilho das pedras preciosas (v. 13). É toda uma visão de fantasia.

15-16 – Caminho no sentido de existência ou curso da vida, irrepreensível, isento de todos os males. No início o príncipe, ou melhor, a cidade de Tiro que ele personifica diante do profeta, manteve uma conduta sábia, que com a bênção de Deus atraíra a sua admirável prosperidade. Segue-se, porém, um período de decadência moral e civil, de que resultou a ruína.

MAESTRO DE CORAL

Isso se trata de uma invenção quixotesca que beira o hilário. Nunca houve maestro de coral nenhum no céu; satanás nunca foi maestro de coral, e nunca será. A única música que ele vai reger é o réquiem do seu juízo no inferno.

O JARDIM DO ÉDEN

Sua auto-exaltação ao estado de divindade é típica do orgulho humano. A posição inexpugnável da cidade, sobre uma rocha, relembra-o sobre o monte místico de Deus; assim como Deus reina supremamente ali, tão seguramente sentia-se o rei ali, entronizado no meio dos mares.

Vv. 11-19. Nestes versículos Ezequiel parece haver adotado para a sua elegia uma história popular, presumivelmente corrente em Tiro e noutros lugares sobre um ser primitivo que habita no Jardim de Deus em esplendor e pureza, mas que subseqüentemente foi expulso dali por causa do pecado de orgulho; assim também o rei de Tiro haveria de cair dentro em breve de sua glória. Parece que a história era uma versão altamente mitológica da história do terceiro capítulo de Gênesis. Mas o profeta não hesitou em usá-la visto que era bem conhecida e se prestava admiravelmente para seu propósito.

Portanto, o texto faz alusão à queda de Adão e não a de Satanás.

V. 13 – Os deuses babilônios comumente eram ornamentados de jóias. Por isso as expressões “pedras afogueadas” etc.

28.1-20 – Duas outras profecias contra o príncipe de Tiro. Desenvolvem o mesmo conceito fundamental, e esta duplicidade no desenvolvimento de um tema único é freqüente no livro de Ezequiel. Na primeira profecia o ritmo poético é observado bastante bem. Está dividida em duas partes, que constam de oito versos cada uma, separados pela frase: “por isso assim fala o Senhor Yahweh” (v. 6).

Na segunda profecia, designada expressamente como elegia[3], é mais difícil, dado o estado atual do texto, discernir nitidamente a divisão dos versos.

O Príncipe de Tiro era, naquele tempo, segundo José Flávio, Itobaal m; mas, na mente do profeta, nele está representado todo o orgulho da cidade. Os reis e príncipes asiáticos arrogavam-se com freqüência dignidade e prerrogativas divinas. Ezequiel reprocha ao príncipe de Tiro e à cidade a soberba de pretenderem igualar-se a Deus. A imaginação popular colocava a morada da divindade sobre um monte inacessível no meio do mar. Era um modo de exprimir a transcendência divina. De maneira semelhante, o príncipe de Tiro tinha seu trono seguro contra qualquer ataque, no coração dos mares.

Com fina ironia punge-lhe a bazófia de uma “mente divina” (v. 2).

Incapazes de apreciar a elegância e a beleza das formas, os invasores destruirão e como que profanarão as obras-primas da arte fenícia – a beleza da tua arte, literalmente “da tua sabedoria”, mas para os hebreus também a arte é sabedoria (Êx 31.6; 36.1).

Os fenícios, e também vários outros povos, praticavam a circuncisão (Heródoto, Histórias, II, 104), e como acontecia entre os hebreus, talvez também entre eles ser incircunciso constituía uma ignomínia que se perpetuava na vida ultraterrena (Ez 32.24). Ezequiel não afirma ter sido incircunciso o príncipe de Tito, mas sim que ele, que se estima um deus, ao morrer seria tratado como desconsagrado e incircunciso.

Se Tiro exaltara no seu pensamento até colocar-se entre os deuses, o seu príncipe fora posto no Éden. O penedo marítimo sobre o qual se erguia o seu palácio era como o jardim de Deus, o monte sagrado sobre o qual o deus Melcart edificara a sua morada. Mas o orgulho da sua formosura e grandeza e as suas prevaricações acabariam por perdê-lo.

De Torneamento Perfeito – Formas esteticamente perfeitas; tradução aproxima- tiva de texto obscuro e pelo menos duvidoso.

Pedras Preciosas – Enumeram-se (num acréscimo posterior e em prosa) nove distintas em três ordens de três cada uma. O peitoral do sumo sacerdote (Ex 28.17-20) continha doze em quatro fileiras de três cada uma; e doze traz a tradução grega dos Lxx na presente passagem. O que se segue a este versículo suscita graves dificuldades. O texto acha-se parcialmente deteriorado e sua tradução é dada com reservas na falta de melhor.

No Dia em Que Foste Criado – Pode aludir o dia em que foi elevado a dignidade régia, em que foi eleito rei (v. 15).

Sidon – A mais antiga das cidades Fenícias (Gn 10.15). Na Bíblia (Dt 3.9; 1 Rs 16.31), como também em Homero e nos monumentos assírios, os fenícios são chamados sidônios. No tempo de Ezequiel a hegemonia era detida por Tiro, mas Sidon conservava igualmente certa independência e merecia por isso menção particular. A sorte predita para ela é bem menos terrível do que a vaticinada para a sua poderosa vizinha. Efetivamente, refazendo-se das feridas recebidas, Sidon atraiu a si grande parte do comércio de Tiro e continua ainda hoje bastante florescente.

22 – Deus “será glorificado” no meio de Sidon pela severidade de sua justiça triunfante. Conceito semelhante é expresso na frase “e nela me santificar”; com a punição de Sidon o Senhor mostrar-se-á na sua santidade aos olhos das nações.


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Mito – Narrativa dos tempos fabulosos ou heróicos; narrativa na qual aparecem seres e acontecimentos imaginários, que simbolizam forças da natureza, aspectos da vida humana, etc.; representação de fatos ou personagens reais, exagerada pela imaginação popular, pela tradição, etc.; pessoa ou fato assim representado ou concebido. Antrop. Narrativa de significação simbólica, transmitida de geração em geração e considerada verdadeira ou autêntica dentro de um grupo, tendo geralmente a forma de um relato sobre a origem de determinado fenômeno, instituição, etc., e pelo qual se formula uma explicação da ordem natural e social e de aspectos da condição humana. Filos. Forma de pensamento oposta à do pensamento lógico e científico. 1 Coruscantes - Que corusca; fulgurante, reluzente, cintilante.
2 Elegia - Poema lírico, cujo tom é quase sempre terno e triste. Epicédio – Composição poética, ou sinfônica, ou discurso, em memória de alguém. Nênia – Canto fúnebre; canção plangente, melancólica.
3 Senso Comum – Conjunto de opiniões e modos de sentir que, por serem impostos pela tradição aos indivíduos de uma determinada época, local ou grupo social, são geralmente aceitos de modo acrítico como verdades e comportamentos próprios da natureza humana.
4 Protendido – Estendido para diante; posto em riste.

O Que o Mentiroso Diz É Verdade

Pelo Rev. Paulo Cesar Lima


As cenas são dantescas. Mas tudo mudou no Brasil depois dos depoimentos do Deputado Roberto Jefferson na CPI dos Correios. As colocações feitas pelo Deputado petebista abalaram e transformaram a estrutura da ética e da moral no país, dando-lhes configurações diferentes.

Na atual conjuntura brasileira, a honestidade não é mais elemento qualitativo, mas quantitativo. Ou seja: honestidade, depois da ética jeffersoniana, não é mais vista como essência; é ato esporádico de “bom moço”. Isto porque verdade e mentira, elementos sempre antagônicos na realidade histórica dos seres humanos, se misturaram.

A declaração bombástica do Deputado Federal “Sou homem e igual a qualquer um de vocês!” trouxe de volta o cartesianismo emancipador de consciências oprimidas e o proibido silogismo casuístico: (1) errar é humano; (2) Roberto Jefferson é homem; (3) logo, Jefferson pode errar.

O “bom” deputado, através das suas premissas bem articuladas, relativizou seus erros e macrovalorizou sua confissão. Mais: o Deputado petebista dispara contra seus pares que nenhum deputado federal gasta menos que um milhão e meio de reais em uma campanha; no entanto, declara que gastou apenas cento e cinqüenta mil. Mais: nenhum candidato ao senado gasta menos que três milhões de reais na sua campanha. No entanto, declara que gastou duzentos e cinqüenta mil reais. As revelações do Deputado Roberto Jefferson colocaram seus pares em saia justa e em situação pior do que a dele, que, pelo menos, fala a verdade. A linha de conduta do parlamentar petebista cria uma nova modalidade na ética da política brasileira: errar é direito; confessar é dever. A descaracterização do ser humano como pessoa de bem chega a níveis tão alarmantes que Roberto Jefferson de bandido passa a mocinho, de criminoso a testemunha da verdade. Impasse: Como é que o Congresso Federal, diante de fatos tão contundentes e reais, terá condições morais para julgar o deputado Roberto Jefferson?

É preciso ressaltar, entretanto, que os erros do Deputado Federal Roberto Jefferson não são atos isolados, esporádicos que, ao longo dos seus 23 anos de vida pública, ele cometeu. De acordo com suas declarações, percebe-se que sua vida pública foi sempre pautada por um estilo de vida corrupto.

Mas não importa. Entre tapas e beijos, malas pretas pra lá, malhas pretas pra cá, uma coisa é certa: o que o mentiroso diz é verdade.

“Quem não tem pecado, atire a primeira pedra”

Poucos são os textos bíblicos com demonstração tão eficaz e revelação surpreendente sobre a leveza do ser do homem brasileiro em julgar os erros dos outros sem olhar os seus próprios do que a passagem sagrada que fala da mulher pega em adultério. O comovente episódio nos fornece elementos suficientes com os quais podemos ler a atitude do povo em meio ao mar de lama que inundou Brasília nos últimos anos.

De um lado, nós temos como pano de fundo da narrativa bíblica a mulher flagrada em ato de pecado. Do outro, homens “santos” dizem-se desonrados pela conduta pecaminosa da judia vilã e querem sua morte. A cena histórica configura-se como pedagogia. O Filho de Deus, escrevendo na areia em silêncio misterioso, resiste aos apelos dos “santos” para que Ele julgue a atitude da pobre mulher.

Os homens que acusavam a mulher eram modelos morais. Só que em face da pergunta de Jesus, “quem não tem pecado, atire a primeira pedra?” a debandada foi geral. Semelhante crítica foi a do sambista brasileiro que, na década de 90, põe em xeque a moral brasileira: “Se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão!”

Aqueles homens “santos” tiveram que enfrentar o fato inexorável que, na maioria das vezes, a indignação pelo ato errado dos outros, é só uma tentativa de esconder o lado negro das nossas perversões pessoais. Quase sempre, toda ação revoltosa em querer punir alguém é uma tentativa de tirar alguma coisa que está nos incomodando. Os homens da lei foram confrontados por Jesus pelo lado da sua interioridade, pois Jesus mostra que o desejo de fazer o mesmo que o outro fez é uma realidade avassaladora na vida do mais honestos. E detalhe: todos nós somos capazes de fazer pior do que o outro. Por isso o que o outro fez de errado ameaça tanto os que gostariam de ter feito ou aqueles que continuam fazendo.

O comportamento de alguns parlamentares envolvidos com o esquema do mensalão diante do depoimento do deputado petebista é a mais pura evidência de que usamos várias máscaras para ocultarmos o nosso verdadeiro rosto.

A Ética do Mentiroso

Hoje, nós temos uma ética antes e depois de Roberto Jefferson. O parlamentar petebista construiu uma nova forma de entender a hierarquia de necessidades quando a questão em discussão é a mentira. Esta é, sem síntese, a ética Jefersoniana:

1. Mentir é lucrativo
2. Todos nós mentimos
3. Ninguém é mais ou menos mentiroso que qualquer um
4. Mentira é coisa de político, verdade é coisa de homem
5. O mentiroso às vezes diz mais verdades do que o que acha que é verdadeiro
6. A mentira é uma neurose obsessiva de quem sempre foi forçado a falar a verdade.

Incrível, mas as exposições do Deputado Federal Roberto Jefferson viraram itens de uma peça teatral referente à decadência da moral brasileira – alguém que fala verdades fundamentado em experiências criminosas. Por isso, depois de Roberto Jefferson nunca mais o Brasil será o mesmo. No entanto, o motivo fundamental que levou o parlamentar petebista falar a verdade foi um só: não querer ir sozinho para o “inferno”.

Teologia Sistemática ou Teologia Bíblica?


Pelo Rev. Paulo Cesar Lima

O campo de estudo da teologia sistemática é vastíssimo. E não serei eu ou qualquer outro escritor que vai esgotá-lo. Desejo apenas dar a minha contribuição, mesmo que pequena, ao estudo da matéria em tela.

Nas minhas pesquisas sobre teologia sistemática percebi que, do lado das Assembléias de Deus no Brasil, temos material muito escasso e sempre produzido por escritores estrangeiros. Não que seja contra a qualquer pena estrangeira que tenha seus escritos fundamentados nas Escrituras Sagradas. Absolutamente. Não sou xenófobo. Só que entendo que teologia sistemática – como qualquer outra teologia – é quase sempre produzida no espaço existencial de um povo. Os cristãos brasileiros temos nossas experiências, dilemas, lutas, anseios de liberdade, e tantos outros aspectos que desembocam em motivos pujantes para elaborarmos a nossa teologia sistemática. Conquanto entendamos que as Escrituras não são de interpretação pessoal, nem tampouco cultural, há certas nuances presentes na história de uma nação que influenciam – e muito – a exposição da teologia.

A teologia é também um pensar com passagem pela cultura e pela experiência que se vive com e por Deus em determinado momento da história da vida. Por exemplo, os salmos contêm uma centena de passagens que evocam esta compreensão, principalmente os salmos antitéticos, que expõem o jogo de oposição entre o «justo» e o «ímpio», ressalvando sempre a idéia de que o «justo» é sempre premiado em detrimento do «ímpio», que é condenado.

Nosso entendimento sobre isso – é lógico – vai muito mais além de qualquer cultura ou experiência que um povo possa ter com Deus. Isto porque, muitas vezes, a teologia é contramão da história e das culturas reinantes, na medida em que ela não se deixa influenciar por visões engessadas, viciadas, corrompidas.

O que eu quero que o leitor entenda neste meu arrazoado é que, quando falo de «cultura» e «experiência», não me refiro às nossas idiossincrasias particulares, mas sim a «cultura» e «experiência» produzidas no âmbito da própria vivência religiosa.

Uma leitura bíblica feita a partir do sujeito histórico dominante e de sua força religiosa de dominação expropria a espiritualidade, memória e escritos inspirados de um povo.

O fundamentalismo e o historicismo não são assim inocentes, pois expropriaram a Bíblia do povo e a entregaram ao sistema dominante. Uma Bíblia assim expropriada, cativa e alienada, perde o sentido histórico e espiritual e, portanto, toda a capacidade de dar testemunho histórico da Palavra de Deus ou sua capacidade de discernir essa Palavra de Deus hoje no mundo dos pobres.

Lembro-me de um «Simpósio Teológico» em que vários pastores nacionais participaram e, ao final, o palestrante – estrangeiro – pediu perdão aos pastores do Brasil pelo mal que fizeram à nação brasileira com o seu legado teológico.

Por isso e por outras situações que aqui não convêm mencionar é que me disponho a escrever a primeira teologia sistemática das Assembléias de Deus no Brasil escrita por um escritor genuinamente brasileiro.

Esta decisão tomada por mim é em função de leituras feitas ao longo dos anos de teologias sistemáticas vulneráveis e também por não achar nada compatível com a realidade do comportamento brasileiro «pentecostal assembleiano» nos manuais sistemáticos que até aqui pude ler.

Tenho a consciência de que não conseguirei açambarcar todas as injunções da teologia sistemática, mas conto com a compreensão dos leitores, que poderão ajudar-me, bastante, enviando suas opiniões complementares, as quais serão acrescentadas em nosso manual de teologia sistemática brasileira. Espero, é lógico, incluir idéias que possam melhorar a qualidade do nosso trabalho e seremos bem rigorosos nesta seleção.

Desde já quero afirmar que a nossa teologia sistemática brasileira é obra inacabada. Por isso despojo-me da idéia de que a nossa será a mais apreciada em relação a todas as que já existem. Nosso enfoque objetiva, única e exclusivamente, contribuir para fortalecer os postulados já existentes e ampliar o campo de compreensão dos temas já sistematizados por algumas denominações.

Não criarei mais uma teologia sistemática. As teologias sistemáticas já existentes proporcionam-me material suficiente para trabalhar. Apenas analisarei as que já existem, tendo como meta a Bíblia Sagrada, o nosso fundamento de fé. Como Lutero, serei implacável em combater idéias surgidas de compreensões calcadas em experiências pessoais, subjetivas ou qualquer fenômeno que ponha em risco a veracidade da Palavra de Deus. O interesse de Lutero era basear a teologia cristã exclusivamente na Palavra de Deus. «Essa palavra é o tema da Escritura como um todo, está manifesta na encarnação de Jesus Cristo e presente hoje na viva voz do evangelho (viva vox evangelli)», dizia Lutero. Mas, também, não deixarei de mencionar a sutileza dos que dominam o conhecimento de expropriar do povo o direito de pensar e de fazer teologia, no seu espaço de luta, dor e sofrimento.

Sou comprometido com a posição da reforma protestante e absolutamente fechado com

1. A visão conservadora da inerrância da Bíblia Sagrada.
2. A soberania de Deus e a responsabilidade do homem.
3. A insofismável doutrina da salvação. Segundo a Bíblia Sagrada e a própria visão contemporânea, sustento que o homem tem liberdade de escolha e, por escolher o caminho do mal às vezes, pode perder a salvação.
4. A idéia de que Jesus Cristo é o filho de Deus e as suas duas naturezas – a divina e a humana. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
5. A visão do batismo com o Espírito Santo como sendo «revestimento de poder» e também sustento a doutrina dos «dons espirituais» como sendo uma manifestação do Espírito Santo para os dias atuais.
6. O governo da igreja. Defendo o governo episcopal, com a presença de presbíteros e ministros – pastores e evangelistas. Com respeito ao ministério de apóstolo, sustento a idéia de que se trata de uma vocação, como as demais mencionadas em Efésios: pastor, evangelista, profeta, mestres, nada que resulte grandeza e ascensão sobre os demais ministérios.
7. A idéia de que as expressões «Reino de Deus» e «Reino dos Céus» trata-se de um sinônimo e que sua realidade já é um fato entre nós, conquanto acreditemos no «ainda não» do Reino, ou seja, na «consumação» do Reino de Deus entre os homens, fato que ocorrerá na segunda vinda de Jesus Cristo.
8. A visão pré-milenista e pré-tribulacionista, pois acredito que a segunda vinda de Jesus pode ocorrer a qualquer hora e precederá a tribulação e o milênio, dando início ao reino milenar de Cristo, de paz perfeita sobre a terra.

Com esta apresentação não estou ignorando que existam outras idéias. Mas todas as idéias, teorias que são diferentes daquilo que nós, pentecostais, acreditamos fiz questão de trabalhar cada uma, em separado, mostrando sua posição teológica e dizendo sobre os seus pontos positivos e falhos, com apresentação de respectivas objeções. Fiz isto para não deixar de transmitir aos leitores a existência de outras concepções no âmbito da teologia sistemática.

Teologia Sistemática Contemporânea

No III Congresso Brasileiro de Teologia Vida Nova, discutiu-se a questão da interpretação da Bíblia, nas suas várias teorias e práticas presentes no Brasil atual. Um fato chamou minha atenção por sua complexidade: a denúncia da teologia sistemática como não-bíblica e a sua conseqüente substituição pela teologia bíblica.

A pergunta que reverbera numa conclusão como esta é por que as teologias sistemáticas foram contadas como não-bíblicas?

Como resposta a esta difícil pergunta os congressistas primeiro insistem em dizer que a teologia sistemática dos últimos cinqüenta anos mudou, e mudou muito a sua relação com a Bíblia. Se é verdade que a acusação de filosofismo ou doutrinismo poderia valer para a sistemática clássica, como observaram os fundadores da teologia bíblica no século XIX, isto já não tem o mesmo peso para a sistemática contemporânea. Esta, apesar das muitas tendências, reconhece a necessidade de se basear de forma mais consistente na Escritura, evitando o velho e clássico método dos textos-prova – que não provam nada, a não ser os gostos das denominações.

Em segundo lugar, os congressistas advogam a crença de que a teologia bíblica (a disciplina acadêmica com esse nome) é mais bíblica do que a sistemática por não se deixar influenciar pelo denominacionalismo amordaçador. Segundo os participantes do referido congresso, a ciência “teologia bíblica” representaria uma leitura histórica objetiva da Escritura.

A possibilidade de um conhecimento plenamente objetivo, derivado totalmente do objeto da pesquisa, não atrapalhado por aspectos da subjetividade do pesquisador, é pura ilusão. A virada lingüística e a nova física, no século XX, revelaram o caráter ilusório dessa crença: todo conhecimento é conhecimento produzido por alguém e, no ato mesmo de sua produção, o pesquisador já interfere no objeto pesquisado.

Diante do fato apresentado, qual a importância e a necessidade de uma teologia sistemática contemporânea? E que cara teria essa sistemática?

Em primeira mão, essa teologia sistemática contemporânea não seria, certamente, um ambicioso sistema que englobasse tudo que se pode dizer sobre Deus e suas relações com o cosmos. Deveria ser um sistema aberto, flexível, que – a partir da Escritura – procurasse encontrar respostas teologicamente adequadas e significativas para os problemas atuais, os problemas religiosos e, especialmente, para os problemas ecológicos e sociais.

Em segundo lugar, deveria nos auxiliar a fugir do imitacionismo de modelos enlatados e pacotes prontos para o sucesso da vida cristã e do ministério. Positivamente, nos ajudaria a enxergar além de nossos próprios umbigos eclesiásticos e olhar para o mundo todo sob a ótica da missão de Deus para o Seu povo.

Essa – mais ou menos – deve ser a cara de uma teologia sistemática contemporânea: a preocupação constante de teologar os problemas atuais no âmbito bem mais explícito do que até então estávamos acostumados a pensar. E sermos absolutamente bíblicos em nosso ponto de vista se deixarmos de lado as “convenções” que distorcem os ensinamentos bíblicos. Quando falo de “convenções” não estou falando daquelas que são abalizadas, autênticas, fundamentadas nas Escrituras, mas sim das que originam-se de apologias comprometidas e equivocadas.

Do exposto, dou-me por satisfeito se este livro de teologia sistemática escrita por um brasileiro cair em mãos de leitores que apreciam leitura confortável, suave, mas ao mesmo tempo firme, substancial e objetiva. Ficarei regiamente recompensado se, porventura, este livro vier a parar em mãos de leitores críticos que buscam fundamentos das doutrinas bíblicas. Digo assim, porque não podemos conviver apenas com os que nos aceitam, mas também com os que nos rejeitam. Aceitando ou rejeitando fiz o que, até este momento, pude fazer. Este foi um dos meus momentos históricos vivenciados no espaço existencial que me concedeu Yaweh.

Que Deus nos ilumine na exposição deste livro a fim de não perdermos os rumos de uma interpretação eminentemente bíblica, levando sempre em conta o que a Bíblia diz e não o que eu já conheço dela.


Vem aí o livro “Teologia Sistemática
Escrita Por um Brasileiro
”.
Autor: Rev. Paulo Cesar Lima.

Existem Pessoas Com Mais Sorte Que Outras?


Rev. Paulo Cesar Lima.

Esta é uma questão que, à primeira vista, parece elementar, mas não é. E, para o total desconforto de alguns cristãos, o problema agrava-se quando nos deparamos com fatos nitidamente comprobatórios de que há pessoas que parecem receber uma “ajudinha extra” em tudo que fazem, enquanto outros, ao contrário, nada do que fazem dá certo.
Há histórias estranhíssimas apontando esta dolorosa realidade; histórias de pessoas que nada fizeram e nada fazem para serem melhores e, no entanto, conseguem sempre o mais difícil. Em contrapartida temos trabalhadores que se esforçam até o seu limite e não levam nada. Eu não estou falando aqui de probabilidades, mas de fatos avassaladoramente inexplicáveis e inexoráveis.

É indiscutível dizer que existem algumas mostragens nos episódios da vida que nos deixam sem qualquer explicação, mesmo que tentemos explicar. Pior: na tentativa de responder à questão em tela, o fazemos de maneira simplória. Na realidade, a intenção das explicações simplistas é quase sempre fechar o assunto acerca do qual não compreendemos e contra o qual nos sentimos impotentes.

É por essas e outras explicações anestésicas, mas nada racionais, que acabamos sofrendo do mal de Asafe, o líder dos cantores de Davi.

O cantor de Israel, ao sair um dia do seu casulo existencial sagrado, enfrentou a pior crise da sua vida. Para ele era algo asfixiante, esmagador: viu que os “ímpios” (os não religiosos) estavam levando a melhor ao sabor de uma vida sem Deus. Ele que apostara tudo em Deus parecia menos privilegiados. O que estava acontecendo?

Na verdade, quando perguntamos se há os que têm mais sorte na vida, queremos de fato fazer uma outra pergunta: por que o ímpio parece estar levando a melhor?
Jó e Eclesiastes são os únicos livros – em toda a Bíblia Sagrada – a ressaltarem uma maneira contrária de pensar a vida do justo e do ímpio.

Jó, descrito na “torá oral evangélica” como paradigma da submissão, da suportabilidade, homem de comportamento ilibado em relação à dor, é a figura mais rebelde do Antigo Testamento. É rebelde na sua maneira de tratar as interpretações acerca do sofrimento do justo: reclama, combate, insurge-se, repele qualquer explicação da ortodoxia religiosa, não aceita a dor, reivindica justiça, chama Deus a um tribunal para uma disputa justa...

A maneira tradicional de pensar o sofrimento de Jó é oposta a tudo o que está desvelado nas Escrituras Sagradas. Nossos intérpretes – parece – pegaram o “bonde andando” e agora não sabem para onde vão e nem têm como pará-lo. Jó, portanto, é a história de dor, angústia, sofrimento que torna o homem mais sagrado alguém de carne e osso. Além do mais, para Deus vale mais o tratamento do nosso caráter do que o nosso bem estar.

O autor de Eclesiastes, por sua vez, abre mão do ortodoxismo do seu tempo e se arremete contra a dicotomia determinista, que coloca o ímpio sempre em situação de desvantagem na história. O “pregador” reverbera dizendo que nem sempre isso é realidade:

“Sim eu sei que dizem: ‘Se você temer a Deus, tudo lhe correrá bem; mas não correrá bem para os maus. A vida deles passa como a sombra: morrerão jovens porque não temem a Deus.’ Mas isso não tem sentido. Vejam o que acontece no mundo: muitas vezes os bons são castigados, e não os maus; e os maus são premiados, e não os bons.”

Há mais de quinhentos anos, um filósofo grego de grande saber, considerado oráculo dos deuses, já deblaterava que algumas situações por que passamos jamais serão compreendidas racionalmente. No fundo, o velho filósofo tinha razão. De fato, nada dói tanto que a dor incompreendida. Primeiro dói porque é dor. E segundo dói pelo fato de não se saber por que está doendo.

Toda esta inquietação existencial é em face de um axioma cristão que se constitui premissa fundamental da religião cristã: “Se Deus está conosco, mal nenhum pode nos ocorrer”.
Partindo deste sufrágio cristão, o questionamento de Gideão feito ao anjo é justo: “Se o Eterno está com o nosso povo, por que está acontecendo tudo isto com a gente?” Levando-se em conta que o juiz de Israel entende – como todos nós – o fato de que a presença de Deus é sempre razão de vitória - questão fechada e incontestável para muitos cristãos – o que fazer para entender os fatos contrários?

A partir desta Escritura episódica e do questionamento do juiz de Israel, entendo que, com urgência, precisamos reler e reescrever o conceito de sorte e azar na história humana. Isto porque este conceito é absolutamente relativo. Já que a sorte de hoje pode se tornar no azar de amanhã e vice-versa. Mais: não há quem viva só de azar nem tampouco de sorte; esses elementos circunstâncias por vezes se alternam na vida.

Acompanhe o meu raciocínio e descubra a gangorra da vida entre a sorte e o azar:

Fábio amava Alcione. Mas Alcione nada queria com Fábio – que azar de Fábio. Depois de tantas tentativas, Fábio consegue convencer Alcione de se casar com ele – que sorte de Fábio. Após o casamento, o casal descobre que não pode ter filhos – que azar de Fábio e Alcione. Fábio e Alcione conseguem tratamento e o esperado filho nasce – que sorte. Após o nascimento da bela criança, Alcione morre – que azar para Fábio. O menino Filipe cresce e quando completa a idade de 18 anos o pai lhe presenteia com um belo cavalo puro sangue – que sorte. A primeira cavalgada com o belo cavalo Filipe cai e quebra a perna – que azar. Dias depois, chega uma convocação do exército para o jovem Filipe, para que este se apresente com urgência a fim de ser enviado para o campo de guerra; Filipe não pode ir pelo fato de ter sua perna quebrada – que sorte. Filipe...

Como o leitor pode notar, eu poderia continuar esta história interminável. No entanto, com ela eu só quero destacar a alternância que há entre a sorte e o azar e como os dois elementos se ajustam na existência humana, revelando-nos que não há determinismo em nenhum desses elementos.
Do exposto, para amenizar a dor do leitor, deixo esta palavra de consolação:

A maioria dos homens que conseguiram
se tornar os mais ricos do mundo veio
das classes menos favorecidas.

O Que É Evangelizar


Rev. Paulo Cesar Lima

Evangelizar é tarefa primordial da Igreja, principalmente quando ela entende o seu momento e o seu papel histórico e, por isso, se articula na sociedade como comunidade alternativa para “salvar” aqueles que perderam o horizonte da vida e os referenciais acerca de Deus.

Evangelizar é, portanto, não permitir a degeneração humana; é não deixar que a sociedade, sem Deus, entre em colapso moral; é dar transparência às atitudes humanas quase sempre acobertadas pela farsa e pelo cinismo; é não deixar que a ganância dos poderosos esmaguem o povo miserável e oprimido; é levar os homens a uma aliança com Deus, através da pessoa de Jesus Cristo; é dar aos homens valores a partir dos quais possam conduzir suas vidas; é ser voz profética no combate contra a injustiça, a imoralidade, os vícios, a falta de caráter; é se insurgir profeticamente contra o cartorialismo, o fisiologismo, o corporativismo, o capitalismo selvagem, que visam, única e exclusivamente, o empobrecimento daqueles que não têm mais nada a perder; é reviver a esperança no coração de uma sociedade que tem sido aviltada, esmagada, estilhaçada, humilhada, ultrajada, espoliada pela violência política e econômica, que vem se perpetuando ao longo de sua dura existência. Enfim, evangelizar é recolocar na boca do povo o grito de independência e libertação dado por Jesus na cruz do Calvário (“Está consumado!”) contra o pecado, a culpa, a idolatria, a feitiçaria, o orgulho, a falta de solidariedade humana, a desumanização do ser humano, a morte, o inferno e as maldições provocadas pelos maus exemplos presentes na sociedade em que vivemos.

O Que Está Por Trás do Filme “Tropa de Elite”


Rev. Paulo Cesar Lima.

“...vence o mal com o bem” (Rm 12).


O filme “Tropa de Elite” é a história do “bom” que tem que virar “mau” e do “mau”, que cansado de ser mau, quer voltar a ser bom, mas isso só é possível quando encontrar o “substituto”. Ou seja: um outro igual a ele (do bem) que se transforma em mau.

O roteiro do filme patrocina uma filosofia de vida pró-violência que cristaliza-se nas almas doentes e hipócritas de um povo amordaçado pelas infringentes idéias de que sempre o “melhor”, algo não mais encontrado na sociedade humana, é o “menos ruim”.

“Tropa de Elite” é filme que faz gostar quem não pensa, atira; quem não tem neurônios suficientes para ajuizar critérios entre o certo e o errado, sente; quem não tem olhos para ver, admite; quem não tem sensibilidade, faz; quem não se apercebe ludibriado, enganado por uma solução-violência criada pelas elites desse país – morte aos pobres; quem não entende que por trás destas imagens imbecis está a “moral do apartheid”, numa versão brasileira, que molhou de sangue a África do Sul; quem não aprende que o que eles querem inculcar nas cabeças vazias da massa brasileira é a diabólica idéia de que o bem só vai até a porta das favelas; dali para frente é o inferno. Esta dicotomia dos guetos provoca – numa população já dominada pelo medo, pelo ódio, pela violência – aversão aos favelados, absolutização da idéia de matar “pobres e negros” e um desvio de atenção, fazendo nós pensarmos, os idiotas da platéia, que o mal só é encontrado nos grotões da vida.

“Tropa de Elite” constrói a estúpida idéia para os imbecis que existe no Brasil um grupo de policiais – história da carochinha – ainda não corrompido pelas torpezas morais reinantes neste país. E que por isso fazer parte dessa elite policial só os “bons” – o critério de bondade deles é identificar o “bom” como aquele que se torna “mau”, violento, insensível, homicida.

Como os nossos referenciais morais estão apagados e quase sem visibilidade é possível que o espírito do preconceito que domina o filme “Tropa de Elite” se incorpore nas veias, artérias e músculos dos adolescentes e jovens brasileiros suscitando o aparecimento de grupos radicais, neonazistas, caçadores de pobre-favelados querendo fazer justiça com as próprias mãos.

A maior violência que o filme “Tropa de Elite” sugere não é a que está à flor da pele, mas a que está por trás dessa que é visível – a violência produzida pelo preconceito.

Mas o filme, num momento de lucidez, também faz crítica a hipócrita sociedade brasileira que sai às ruas em passeata pela paz, mas notoriamente são os maiores usuários de drogas e, por conseguinte, os grandes mantenedores do crime.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

A Paixão de Cristo

Rev. Paulo Cesar Lima

. Quem realmente matou Jesus Cristo?
. A morte de Jesus foi predestinada por Deus?
. Qual a abrangência da morte de Jesus?

Alguns olham, mas não vêem; outros escutam, mas não ouvem; há também aqueles que não conseguem uma coisa nem outra. No entanto, há os que vêem e abstraem até mesmo além do que estão vendo.

Dirigido pelo então ator de Hollywood, Mel Gibson, o filme “Paixão de Cristo”, diferente de todos os demais até então produzidos, mostra, com fina clareza e vivas demonstrações, a dor, o sofrimento por que passou Jesus. Mais: mostra, em cenas assustadoramente reais, as ininterruptas barbáries infringidas contra o corpo indefeso de Jesus, esbagaçando-o completamente. A ação dos soldados romanos dilacerando o corpo de Cristo é algo avassaladoramente inominável, e com requintes da mais absurda crueldade. Não há quem não chore, e que não queira gritar: “Parem! Mudem de cena!”

Sofrimentos à parte, o filme aclara a visão de como esta cena vem se repetindo ao longo dos séculos sobre aqueles que ousam desafiar ou mesmo denunciar a maneira imoral de ser dos sistemas religioso, político, social, econômico implantados na sociedade.
Também fica evidente no filme que a morte dos “cristos” (os seguidores de Jesus) é produzida quase sempre pelos religiosos, os quais introjetam no tecido sangüíneo da sociedade o veneno da intolerância e do ódio compulsórios, que é o germe das piores atrocidades ocorridas na história da Humanidade.

As cenas, muito bem trabalhadas e editadas, com algumas inserções spilbergianas, é lógico, têm a seu favor ser, pelo menos até hoje, o que mais se aproxima da narrativa bíblica encontrada nos evangelhos. Gibson mostra um Cristo totalmente humano, indefeso.

Paixão de Cristo, com muita sensibilidade e discernimento, consegue ressaltar certos detalhes comportamentais das personagens envolvidas, direta ou indiretamente, na história da crucificação de Jesus, e trazer de volta relevâncias históricas até então despercebidas. Essa nova leitura tirada das letras inanimadas das narrativas dos evangelhos, nos obriga a uma releitura da morte de Jesus. Aliás, a morte de Jesus – o mais atroz homicídio cometido pelo sistema sacrificalista – não deve ser vista tão-somente com visão sentimentalista, romântica ou coisa que o valha. Gibson, com o uso de suas robustas lentes filmadoras, faz-nos rever conceitos antigos sobre as cenas envolvendo o Calvário. Paradoxalmente, foi preciso o binóculo hollywoodiano para conseguirmos enxergar o Gólgota de forma diferente, coisa que a própria Teologia nesses longos anos de atividade pedagógica não obteve sucesso.

A morte de Jesus não se trata apenas de um marco na história do cristianismo. É mais do que isso. É o ponto máximo da redenção dos homens. Mas é também o fundamento mimético da história, que se repete com a morte dos filhos de Deus, os seguidores de Cristo, na atualidade.
A minha abstração do filme “Paixão de Cristo” é feita a partir da separação de alguns elementos do conjunto das cenas. Se não, vejamos:

1. Cristo – Sua morte tem cunho teológico – morreu para salvar o homem pecador. Mas também abrange aspectos sociais e políticos bem relevantes. Primeiramente, o destaque para a representação da sua morte. Ela aponta a história dos “cristos” (seus seguidores) que morrem, aqui e ali, por conta de tentarem ser coerentes com a verdade e a justiça. Segundo, a denúncia feita aos sistemas de morte tem uma reverberação histórica inextirpável: o que matou Jesus, continua matando seus “seguidores”. É óbvio que com esta declaração não pretendo, nem de longe, associar qualquer ação de resgate social com o que aconteceu no Calvário.

2. Os sacerdotes – Quem mata os “cristos” (os que, com a vida, imitam Jesus) são sempre os religiosos. Os que vivem da e pela religião, não aceitam dessemelhança, diferenças na sua estrutura. Ao menor sinal de diferença, a morte é decretada. A inveja dos sacerdotes, adoração dissimulada, matou Cristo e mata seus “seguidores” atuais.

3. O povo judeu – O povo, como sempre, é elemento de manipulação nas mãos das elites. Não consegue ter idéia própria, mas trabalha a que é fabricada. Diz sim ou não a tudo que o sistema determina. Exemplo: os “caras pintadas” da época de Collor. Eram apenas bonecos nas mãos de ventríloquos.

4. Os oficiais romanos – Representam o sistema desinteressado em fazer justiça. Só querem preservar a imagem. Fazem, sem escrúpulos, aquilo que o povo deseja, fingindo-se seus cooperadores e ajudadores. Para eles tanto faz soltar Cristo ou Barrabás. Estão sempre com as mãos sujas, prontas para serem lavadas na bacia da indiferença e da omissão.

5. Os soldados romanos – São os reprodutores do ódio do povo. Não têm vontade própria. Matam até irmãos em obediência a ordens dadas, mesmo as mais estapafúrdias.

6. Os discípulos – Seguem Jesus, mas não conseguem avaliar o preço deste compromisso. Aliás, se assustam quando vêem a extensão do seu envolvimento. Nenhum deles se dignou a sequer carregar a cruz pesada que Jesus carregou.

7. O mal – Nas cenas mais intensas e marcantes aparece a figura corporificada do mal, sempre por trás ou no meio do povo, querendo ressaltar que o pior mal é o institucional.

8. O jogo antagônico entre a justiça e a injustiça – A paixão de Cristo mostra, em cores vivas, que o amor não pode ser existencialista, mas atemporal para vencer as “aparências” na guerra entre a justiça e a injustiça. O que Jesus descobriu, e a descoberta terá uma longa e explosiva história no Ocidente, é o poder da vítima contra o agressor: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Verdade e Mentira no Banco dos Réus


Texto: 1 Samuel 18.14.

O ocorrido entre a petista e Ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o Senador Agripino Maia, seu inquisidor na CPI dos “cartões corporativos”, trouxe a existência, mais uma vez, um antigo-novo debate sobre a hierarquia de valores no estudo da Ética Social.

O que a Ministra colocou – e com muita propriedade – foi que na Ditadura Militar não havia espaço para a verdade porque não havia espaço para a vida. Segundo Dilma Rousseff, na Ditadura falar “mentira” era coisa muito difícil, muito mais do que falar “verdade”.

Diante de fato tão sui generis como o aqui apresentado, permito-me uma digressão (recurso literário utilizado com o fim de esclarecer ou criticar o assunto em questão) um pouco sobre o tema em tela.

Problematização: Quando uma mentira vira verdade e quando uma verdade vira mentira?

I. Mentira Nunca É Mentira Quando Promove a Vida, Mas Também Nunca Será Verdade.

A. O caso da família de alemães que escondia judeus em sua casa.

B. O casal no ponto de ônibus que, mentindo, livra uma pessoa da morte.

C. As parteiras judias no Egito.

D. Deus manda Samuel dizer parte da verdade para Saul.

II. Verdade Que É Verdade Só Para Oprimir Vira Mentira Porque Mata a Vida

A. Existem dois tipos de verdade: uma verdade oficial e uma verdade verdadeira.

1. A verdade oficial é a forma conformada, conspirada, tabulada... de dizer a verdade.

2. A verdade real é a que interfere, enfrenta, confronta, denuncia, liberta...

B. Todos sabemos que a verdade é uma só. Mas, ao tomarmos conhecimento da realidade dos fatos que tão de perto nos rodeiam hoje, descobrimos que a verdade real, ou a verdade dos fatos freqüentemente acaba manipulada, seqüestrada, ocultada, falsificada, rotulada, domesti- cada, substituída... Substituída pela “verdade oficial”. A verdade oficial (ou institucionalizada) é a caricatura da verdade verdadeira, mas é fabricada pelos sistemas, que não gostam de deixar a verdade verdadeira circulando livremente por aí...

C. A lei tornou-se um absoluto, como Deus. Deixou de ser fonte geradora de vida e liberdade. Transformou-se num peso insuportável, sobretudo para os mais pobres (Mt 11.28). O legalismo tomou conta da interpretação: a lei acima de tudo, acima da vida. A vida tornou-se vítima das leis. Os pobres, os camponeses, as mulheres estavam praticamente impossibilitados de observar tantas leis. Por isso eram tratados como pecadores e impuros (Mc 2.16,17; Jo 7.49; Jo 9.34).

III. A Verdade Falada Como Mentira e a Mentira Falada Como Verdade

A. Isto me faz lembrar a história de um vendedor ambulante e um pregador ao ar livre. Ambos disputam o mesmo lugar. O primeiro, enfático e persuasivo, conquista a atenção dos transeuntes; o segundo, melancólica e timidamente, não consegue a atenção de ninguém. Ao final de tudo, o pregador procura o vendedor e lhe faz a seguinte pergunta: – Como o senhor consegue prender a atenção de toda essa gente? Ao que o vendedor lhe respondeu: “Eu falo mentiras como se fossem verdades; você fala verdades como se fossem mentiras”.

B. Falar a verdade como se estivesse mentindo é uma questão de postura e convicção. Há três casos na Bíblia interessantes:

1. Há os que querem mentir e não conseguem: Pedro (Mateus 26.47-56).

2. Há os que querem falar a verdade e não conseguem: os sacerdotes castigados (Malaquias 2.1-9).

3. E, por último, há os que falam a verdade, mas esta vem de fonte corrompida: a mulher adivinhadora de Filipos (Atos 16.16-18).

IV. O Difícil É Quando Falar Mentira É a Grande Verdade da Vida

. Em caso de opressão – estamos falando de caso excepcional – a mentira (a omissão) vira ato de bravura, coragem, fidelidade.

. Ninguém pode punir alguém que, por fidelidade e bravura, mente.

. À época da perseguição dos cristãos pelos romanos, dizer a verdade era pecado mortal. E outros momentos que a história nos relata de fúria, autoritarismo e morte por parte de governos anticristãos.

. Só que falar mentira nesses casos apresentados – não é o vício de mentir indiscriminadamente – é uma exceção que toda regra permite. Mas nunca será regra.

Conclusão: Há aqueles que mentem por achar legal mentir, mentem por negação do seu status, mentem por vício, mentem por deformação de caráter, mentem por questões patológicas, mentem argumentativamente, mentem por ausência de verdade, mentem porque acham mais facilidade em mentir, mentem por razões desconhecidas dos mortais. Todas essas razões são mentirosas; os que mentem assim, mentem para a sua própria condenação. A pior de todas essas apresentadas é a mentira religiosa, porque mentimos com postura de quem está falando a verdade.